Detesto que me roubem a solidão sem me dar em troca verdadeiramente companhia. (Friedrich Nietzsche).

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Casa das Rosas



Sentada à pequena mesa do Café daquela ala, viajei no tempo... A casa me levou ao passado. Vi senhores distintos de chapéu e damas de vestidos de ombreiras transitando elegantemente pela rua. Vi as mansões e os Fords e Chevrolets dos barões do café, naquela avenida tão Paulista. Cheguei a ver a dona da casa movimentando-se por entre os cômodos espaçosos, de janelas grandes, as cortinas claras esvoaçando, delicadas, com a brisa da hora. De dentro da casa, um cheiro de café, do jardim, um perfume de rosas. Senti, toquei, ouvi. Cheiros, móveis, quadros, retratos, vozes... E em outro momento, em algum lugar, presenciei recitais, saraus, e ouvi música, porque não se viaja sem música, e sem música, não se viaja.
Eu estava lá, não sei bem onde, ou como, mas de algum modo insólito eu estava lá, no meu silêncio e na  minha invisibilidade de fantasma, um fantasma do fururo.
Sim, é possível viajar no tempo e se ver no meio da poesia e da literatura, de escritores, compositores  e poetas que a gente tanto gosta e admira. Tudo o que se tem a fazer é estar ali, naquele casarão do passado imponentemente encrustrado no presente. Tudo o que se tem a fazer é estar ali, pedir um café e olhar as rosas...


São Paulo completa hoje 458 anos. Este texto é minha homenagem à cidade, que não é só cinza, garoa, capitalismo e violência. É cor, sol, humanidade, solidariedade, cultura disponível.  Eu poderia  tê-la deixado, quase o fiz. Mas percebi que uma cidade assim merece a compreensão de seus filhos, que devo muito a ela, e que, se milhares vêm, eu não poderia ir.

Nasci aqui, vivo aqui, continuo aqui, e neste momento, é aqui que escrevo. Parabéns, São Paulo .




Casa das Rosas é um Centro Cultural localizado na Avenida Paulista 37, em São Paulo, e um dos seus  últimos casarões. É também o primeiro espaço público do país destinado à poesia, sendo batizado como Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em homenagem ao poeta paulistano, falecido em 2003.
Projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, em 1928, a casa mistura métodos construtivos de diferentes épocas, o chamado “estilo eclético”, com influência também da Art Déco. Construída numa área de 5.500 metros quadrados, a casa possui 30 cômodos no estilo arquitetônico francês, claramente divididos em área social, íntima e de serviço. A Casa das Rosas foi declarada patrimônio público pelo Condenphaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), sendo tombada em 1985.

Francisco de Paula Ramos de Azevedo (São Paulo, SP- 1851-1929) foi o mais importante arquiteto do período áureo da economia cafeeira em São Paulo. A Casa das Rosas foi projetada e construída por seu escritório entre 1928 e 1935 para sua filha Lúcia Ramos de Azevedo, que residiu na casa com o marido.
 

http://www.casadasrosas-sp.org.br/

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Hiato


Do meu apartamento
olho a chuva na tarde
o vendaval na árvore
o granizo nos telhados

Respiro a tempestade

Ouço um sax
modismo dos noventa

Vôo ao que me inspira
divago...

Dentro de mim
silêncio

Lá fora
a chuva cai

E só
E nada mais.




quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Engano



Ai...
Sabe quando bate aquela saudade?...
Bate em mim essa saudade
Saudade de tempos
Não tão distantes
De coisas ditas
De tudo que era antes

Ai... Uma saudade...
De carinho e gentileza
De respeito e confiança
De liberdade
De leveza e espontaneidade

Da Amizade

De longas conversas
De trocas e barganhas
De risos e confidências
De correspondência


Da sensação (boa)
De ter um amigo
De me saber amiga
De ser Querida

Saudade de quando percebi
Aquela coisa estranha
Sem nome e sem definição
Mais que amizade


Eu não sabia
E se soubesse, não deixaria
Virar mais que amizade

Numa tarde começou
E nunca, nada
Foi verdade
Fosse o que fosse
Por "mais" que fosse
Virou Saudade

E ainda é tarde



"...São águas passadas, escolha uma estrada e não olhe pra trás"... (Dinho Ouro Preto)


sábado, 14 de janeiro de 2012

Seda

"...A seda a roçar no quarto escuro
E a réstia sob a porta
Onde é que você some?
Que horas você volta?..."
(Chico Buarque)


Toque  de seda
que me tem
na palma da mão...
Quando me desliza na pele
e escorre, sinuosa
pelo caminho que percorre...
Quando para de repente
audaciosa
demorada
numa curva acentuada


Delicada seda
Forte
Firme
Confiável

Implacável

E sempre seda...

Obediente
quando chamada de volta
de onde saiu
de onde caiu
e ficou...

Seda que me  fala ao ouvido...

Toca-me a boca
Roça- me a nuca
Resvala-me os ombros
Arfa-me o peito
Queima-me o corpo
Refresca-me a alma
Me acalma...
Amordaça minha voz em falsetes
Amarra-me os cabelos
Arrasta-me pelos instintos
Amansa-me...


Domínio puro
Toque preciso
Seguro
De mãos ao piano

Pura seda
Deslizando
Fio a fio
Tateando
No escuro...








quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Lição de Casa



As ruínas daquela casa eram o lugar mais misterioso onde já estive. Uma casa antiga, de tijolos de verdade, desbotados de sol e chuva, praticamente sem reboco, cujas portas e janelas de madeira, já há muito acinzentada pelo tempo, apesar de sempre abertas, nunca revelavam os segredos do interior. Para os adultos da vizinhança era só uma casa abandonada, para nós, um santuário de aventuras, e de medo; Sim, medo, porque  mesmo com todo interesse na diversão, sempre sentíamos medo ao entrar lá, um medo gostoso de sentir. Às vezes, uma janela batia, e aí a imaginação corria, tanto quanto nós, apavorados. A casa ficava no nível da rua, mas o terreno era em declive, de modo que, para ir ao quintal, cheio de árvores e mato, era necessário descer uma escada. O vão debaixo dessa escada era um mistério à parte. Nas brincadeiras de esconde-esconde esse era o lugar perfeito para se esconder, porque ninguém queria se esconder ali, e ninguém iria procurar ninguém ali.
Os meninos costumavam "explorar" o quintal, por entre as árvores e no meio daquele mato, enquanto as meninas ficavam bisbilhotando pelo lado de fora das  janelas meio abertas, ou meio fechadas..., dos cômodos do porão. Ah, sim, a casa tinha um porão! Cada cômodo da casa tinha seu porão, como se fosse outra casa, subterrânea, com chão de terra. Distinguia-se cada cômodo pelas colunas nos cantos e pelas vigas do teto, não havia paredes. E aquele cheiro úmido, de terra antiga...  A casa era perfeita!  Ficávamos imaginando passagens secretas, morríamos de curiosidade de saber o que havia por trás de portas, por debaixo de escadas, por entre vãos, e nisso consistia nossa brincadeira, desfrutar do mistério que envolvia aquela casa com seus cantos escuros, suas portas entreabertas, suas janelas batendo, seus rangidos, seu cheiro de passado...
À noite, em nossas camas, imaginávamos que daquelas árvores e do mato do quintal saíam monstros que dormiam durante o dia, e sentíamos medo de que eles viessem nos pegar.  Lembrávamos do que nos disse alguém, que ali morava uma bruxa, e que um dia ela nos pegaria invadindo sua casa e nos castigaria.
À noite pensávamos tudo isso, e cobríamos a cabeça para dormir, mas no dia seguinte, levantávamos já pensando na próxima aventura na casa, em pular em cima do fogão a lenha, em explorar o quintal e bisbilhotar o porão, em colher as flores do mato e colocá-las numa garrafa com água para enfeitar um cômodo, em assustar com uma aranha e fugir de abelhas.
Aquela casa era nossa "amiga oculta", uma espécie de tia, que nos contava histórias sobre um passado imaginário vivido ali, ou irmã mais velha, que brincava de pega-pega conosco, e era sempre ela quem corria atrás de nós...  
Mas eis que um dia, em pleno dia, um monstro que não dormia apareceu, e diante dos nossos olhares assombrados, devorou nossa amiga, parede por parede, mastigou tijolo por tijolo, arrancou-lhe os olhos de madeira acinzentados pela idade, e quando dela só restaram pedaços, esmagou-os, sem dó, sem culpa. A fragilidade da velha casa que nos punha medo nos surpreendeu, e nos decepcionou...
Nenhuma bruxa veio reclamar sua propriedade. Nenhuma bruxa apareceu para castigar o terrível monstro que destruiu seu lar.

Naquela noite, não imaginamos nada, cobrimos a cabeça e choramos baixinho.


Imagem: Dakota Fanning  (filme - O Amigo Oculto)